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Banquinho

O banquinho era verde água. Tinha dúvidas sobre a cor daquele banco, tanto podia ser verde água, como azul, era um tanto indescritível aquela cor, como a cor dos olhos de muitas pessoas as quais conhecia. Pois o menino não tinha olhos que mudavam de cor? Hora azuis, hora verdes, hora…Sentiu o suor escorrer pela testa. A única coisa em que pensava era no tamanho diminuto do banco, e no quanto ele já aguentara. Aguenta pé, peso, peixe, aguentou firme. Até quando o Santo banquinho aguentaria tamanho desfecho com tanto pudor? Já que até caçada já foi apoiada nele, e os únicos vestígios do tempo que se estabeleciam por ali eram as lascas de madeira cortando a tinta, de um lado ao outro, de fora a fora. O pobre banco tinha nele marcas do tempo, e só. Ela tinha em si marcas do tempo, e a dor viria não dessas, as superficiais, e sim de outrora, marcas que o tempo colocava na alma. Banco, banco, se acostume e não reclame de marcas que te deixam até mais vistoso, torça para que nunca, na evolução das espécies e dos objetos, você crie alma. Pois quem tem alma sempre morre de furor de sentimentos, com furor de sentimentos, assistindo a própria morte como grande cena da vida. Será que se sabe que será a última cena da vida? Como deseja que seja a sua última cena, banco? Ouça lá? Não estou entendendo. Porque o pobre banco, pobre do banco sem alma. A morte é a maior ênfase da vida, já que os últimos instantes sempre se fazem eternos. Aquela experiencia já muito vivenciara; Os últimos segundos ao lado de alguém, o último beijo, o último abraço, mesmo que não prevendo a existência do futuro incerto e, provavelmente, escuro, compilam-se na grade da esperança, e se tornam únicos. E infinitos. Passam a morar naquela parte da cabeça que as coisas se insinuam, querendo durar para sempre. Mas nem isso. Nem isso seria para sempre, ao crer. E então, se perguntando notoriamente, e traduzindo seu fluxo de consciência em face, se o tal do banco a aguentaria, rechonchuda tal como estava, sentou de uma só vez, querendo de uma só vez reprimir todo o superego que ali estava. Sentou, se acomodou, abriu as pernas, e entre elas deixou o balde em tom daquele vermelho queimado. Pudera, o tempo corria enquanto pensava na vida, e sem ao menos saber se tudo aquilo que lhe ocorria era crença certeira. A água do balde já tinha o aspecto escuro da sujeira que poluía o céu em vésperas de chuva. Dali ela tirou o pano. Afrouxou os joelhos, de panturrilhas grossas e com os pêlos a crescer. Se debruçou sobre a própria perna e ao som de seu gritar intenso torceu o pano com toda sua força. Gritou, caiu sobre si, e chorava o choro do espanto, do medo, do misturar intensificado que estava em toda perda que ainda era tida por vir. Sua força, descontada no mero pano de chão, foi descomunal, e foi diminuída na proporção em que seu choro se tornava surdo, pálido, cego, se reduzindo a choramingos sem fundos sonoros, e cheios de quedas emocionais, já que no plano interno, o fundo não se encontrava, e o caminho ao fundo do poço era sem fim. E não diziam que do fundo do poço se sobe? Pessoas como ela haveriam de encontrar esse fundo? Desejou em grau íntegro e sóbrio alcançar o fundo do poço. Gritou de raiva. Levantou-se, ainda derrubando certas lágrimas, e com sua panturrilha empurrou o banquinho, que não hesitou em cair e se depositar nos cantos da vida, no mais profundo silêncio. Jurou que profunda seria, na sua missão, por todo e por tudo, não se poupando o sofrimento. Puxou uma cadeira e deu início a empreitada. Descascou o figo. O comeu com gosto. Entre olhos vermelhos disse um sim a si mesma. Lambusava-se com o comer escancarado e totalmente sem jeito. Respirou fundo. Serviu-se de uma dose de pinga. O choro cessou. A vida passou. E o banquinho ali estava. Logo, ali estava, sempre à sua direita. Abandonado em um sem teor, no canto dos cantos, onde ninguém o podia ouvir. Nem mesmo ela. Nem mesmo sua alma. Era o banco sem alma, da surdez parcial que consome os que se enganam. E por toda vida, anda-se com duas pernas. As outras duas, que se vá, banquinho, que se vá. E leve consigo toda a infelicidade do mundo.

 

 

 

*Para Carolina Olimpio (suafofa)

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