500 dias quaisquer

Eu tinha prometido pouco tempo antes, o que era necessário e nós dois sabíamos ser necessário. Prometera que até que chegue o próximo dia, deveria deixar o anterior a ele para trás, como as coisas sempre devem ser, ou não? Olhei pela janela tentando encontrar em seu olhar a confirmação para isso, como sempre faço quando se trata de nós dois. Mas a confirmação não estava ali, e naquele determinado dia eu resolvi que deveria abraçar essa certeza sozinha. Que viesse o próximo dia, porque o nosso tinha ficado para trás.
Naquele determinado dia, resolvi tirar as coisas de dentro das tantas caixas de papelão da mudança, e bem queria eu me livrar de todas as coisas e de todo bem material que estivesse perto de mim. Era o que eu fazia dentro do meu (novo, desconhecido) quarto.
” Essa caixa de lápis de cor, você usa? você vai usar isso?”
Merda. Mordi o lábio. Pra quê eu usaria? Eu não pinto. Eu não uso aquela caixa, e você é, definitivamente, o motivo para eu querer deixá-la intacta. Nem um único lápis apontado. Nenhum precisou, mesmo quando ganhei um livro de colorir francês e pintei avidamente mandalas, fazendo força para que eu precisasse ao menos APONTAR um daqueles lápis, Deus. Mas não, era uma luta interna, e uma das minhas partes não teve êxito, de modo que eles continuavam ali.
Cara, te odeio tanto, você é tão egoísta, onde você estava para não estar me dando essa resposta? Sempre egoísta.
Eu vou usar aquela caixa? De tantos modos. Para tantas coisas. Para pintar um morango na parede branca da sala. Para levar dentro da bolsa e fazer de batom. Meus filhos usariam, um dia, se eu tivesse filhos. Certamente eu usaria. Mas não. Dentre todas as coisas materiais das quais queria me livrar, era a que mais fazia real sentido me livrar. Mas não, de novo não, não vou usar, e eu não tinha mais o que falar.
Então pensei na minha promessa, e pensei que era a hora, enfim. Fala que não. Deixe que leve, vai ser útil para ela. Vá lá, quanto custa uma caixa de lápis de cor de quarenta e oito cores? Que custe quinhentos e cinquenta e sete reais, paga. Se precisar de uma nova, paga, mas não vai precisar, sabe porquê? Porque você não usa. Então, fala que não, não vai usar.
Joga essa caixa pela janela, não tem problemas, ninguém vai querer. Leve a um antiquário, onde enterrem sentimentos, o mesmo da onde você tirou aquele telefone vermelho dos anos 60 para me dar de aniversário.
Não era só uma caixa de lápis de cor. Lembra porque você me deu? Eu não tinha a cor nude na minha caixa da pré escola. Só tinham quinze. Porque eu precisaria de mais?
Acho que desde criança preferia os tons sóbrios. Eu não usava o pink, queria nude. Hoje, se fosse escolher uma caixa, compraria de novo quarenta e oito cores, e tiraria duas: nude e cinza. E, então, só usaria elas. Você sempre soube disso, o tipo de coisa inútil que não se conta para as pessoas. Aliás, será que nas caixas de quinze insistem em não colocar o nude ainda? Preciso pesquisar isso.
Poucos dias antes do dia em que ganhei aquilo de você, fomos assistir a “500 dias com ela” no cinema. Não lembrava do filme. Nunca lembrei do filme. Dizem que é muito bom, e eu respondo que eu nunca o vi. “Sério, é bom? que coisa, é o que dizem, pois é, preciso ver isso aí.”
De certa forma, era verdade, e eu nunca pude entender o porquê esse era um vão enorme em minha memória. Nem um vislumbre de imagem. Você saiu contente do cinema aquele dia, lembra? Você amou a trilha sonora.
Para que eu manteria a caixa? Queria que você tivesse essa resposta, depois de me dizer que guardou o relógio de bolso. Fiquei imaginando onde ele estaria, no fundo do seu guarda roupas cheio de calças que você nunca vai mandar apertar. Naquela noite, coloquei a maior camiseta do armário e andei inquieta pela (nova, desconhecida) sala. Coloquei a trilha sonora de “500 dias com ela” para tocar. The Smiths. Bom gosto, quase sempre.
Por que raios eu não me lembrava? Me lembrei de locar. Eu esqueci. Tentei pela internet, dei pausa quatro vezes e desisti no play subsequente.
Hoje lembrei. Hoje peguei o DVD, coloquei, sentei naqueles dois sofás da frente da televisão já que não conseguia enxergar nada sem óculos. Não lembrei de trazê-los, como sempre. Decidida a ir em frente e ver, encasquetada na ideia de que  esse filme poderia ser libertador. Hoje tinha brisa da janela. Então, pude entender algumas possibilidades sobre os mecanismos psíquicos que eventualmente me fizeram esquecer sobre o filme.
Eu parei de espirrar quando sento naquela sala, sabia? Acho que foi o corticóide que andei tomando, deve ter sido de alguma utilidade. Odiava tomar corticóides, né? Mas voltando ao filme, se devesse mesmo voltar, voltei, até o fim.
Bom, quer dizer que tudo isso foi porque histórias de amor acabam? Bem, é isso, então. Eu chorei, porque eu quase sempre choro em filmes, você sabe.
Lembro que aquele dia no cinema eu chorei muito também. Na recusa de saber o que iríamos ser? Talvez. Mas somos, baby. De qualquer forma, somos.
O mundo está aí, nós só passamos por ali. O amor está aí.
Histórias de amor acabam, o amor não. Lembre, me lembre se eu fraquejar, de agradecer que tudo continue intacto nessa nossa cabeça enorme, como quando eu te mostrava uma música nova, cantando ridiculamente, e você ficava olhando com cara de bobo dizendo que acabou de encontrar uma louca ou como quando você me deu uma rosa para cada olho, de cada dia que passava longe. Poderia te dar milhões de rosas agora, porque você não precisa passar, nem nos dias que eu te odeio, nem nos que eu te amo.
“Não sei se vou usar esse lápis de cor”.
“Na verdade, vou usar sim. Deixa aí”.

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