Arquivo do mês: agosto 2015

Quando você me perdeu

Eu fechei os olhos e desejei estar em uma varanda de qualquer ruela em Viena, observando o papo furado dos turistas logo embaixo. Eles falariam sobre o Danúbio, Mozart, ópera. É o que sempre falam. Mas eu não estava lá, eu só me imprimia por dentro, vãs tentativas de não compreensão. Eu estava sentada na minha cama, cobrindo meus olhos, que estavam molhados, mas eu não chorava. Era só aquele tipo de notícia que você constata, e é dura, mas de tão dura que é te faz encará-la na hora, na vida, no chão, como for, e numa dessas eu fechei os olhos em uma tentativa desesperada de não enxergar. Mas meu amor, era a hora. Eu queria o frio, e o clima estava ameno. Eu queria você, mas foi naquele fatídico dia, e não teve escape, desculpa ou o menor jeito. E então, você me perdeu, não foi?
No dia em que você me perdeu, era clima de uma estação. Minha pele não sentia nada específico, porém. Eu acordei indiferente, e isso não é bom, porque em alguns momentos da vida já aprendi que a gente precisa sentir o tempo todo, amor, amizade, ódio, fúria, calor, frio, o que seja. Mas eu não sentia, e então liguei para uma amiga, na incapacidade de sentir, sofra, ela me disse. Eu precisei de você, assim como preciso em vários momentos do dia. Eu precisava contar qualquer coisa banal, precisava de você no sofá, no quarto ao lado, contando uma piada ridícula ou me consolando com uma conversa boa sobre um dia ruim, mas você não estava lá.
O dia quando você me perdeu, tocava The Beatles na 100,3 FM, eu abri a janela do carro para respirar melhor, reclamava dessa falta de ar subjetiva há algum tempo. Eu fui trabalhar, comi um pão na chapa, e na ansiedade de qualquer vazio que viria no momento seguinte, tomei ao menos quatro copos de café sem açúcar. Sentei em várias cadeiras, e sentia que iria quebrar todas elas, com o peso que carregava.
Eu passei aquele dia inteiro relutando contra forças internas que eu nem ao menos sabia que conhecia. Eu me distraí com qualquer primavera da rua, e também tentei sorrir, sem êxito, sem rir, nem chorar, nem sofrer, nem sentir. O dia em que você me perdeu, ventou. Ventava bastante, e de noitinha fui fazer uma caminhada, eu te disse, não? Mas sua resposta eram apenas palavras, e suas preocupações sempre foram para dentro, nunca para fora. Naquele dia, suas palavras passaram a ser para dentro, também. Era tudo para dentro, toda decisão sobre você, lembra?
No dia em que você me perdeu, o vento, a exaustão, o corte que fiz no meu dedo cortando batata no almoço, não me fizeram sentir. O sereno não me comoveu, não existia sofrimento, eram boas lembranças e muito vazio. E meu amor, como estivemos vazios, não foi? Como nos faltaram palavras, músicas, danças, filmes, mãos. Como nos escapou a vida no meio de tanto sentimento? De repente os carros passavam e estavam parados, pessoas falavam caladas, olhares suplicavam indiferentes. O fatídico dia em que você me perdeu, eu já não sabia se o porto seguro que tive para mim, de fato, um dia existira.
O dia quando me perdeu, você ameaçou falar, eu fiz que falaria, mas ninguém falou, e por palavras mal ditas e não ditas eu estive lá, na minha cama, lembrando da voz que sempre me diz a hora de ir embora. Eu tapei os olhos e me recusei a ver. Eu te odiei por ter feito isso com a gente, eu te odiei por me fazer sentir isso de querer te deixar, eu te odiei várias vezes por abrir essa maldita mão e ter deixado eu escorrer pelos seus dedos. Eu gritei que fechasse, eu te pedi que me abraçasse e me livrasse da queda livre. Mas se aproximava a hora de ir embora, que independe de exaustões particulares e peculiares. Quando a gente se incapacita de ir, a vida empurra. Não guarde mágoas, não me empurraram. Ouvi o conselho da minha amiga, e, no dia em que você me perdeu eu sofri. Sofri por te odiar e mais ainda por me odiar, por te deixar, por te abandonar, por não dar sinais, palavras, ou o que você queria de mim. Eu sofri quando olhei para o vazio que fitava enquanto me dei conta: você me perdeu. Eu chorava enquanto repetia para mim, você me perdeu. E pela primeira vez no dia, eu senti alguma coisa, eu senti forte e dentro.
Eu aprendi. Aprendi que seja lá o que aconteça com a gente, independentemente de quem estiver ao nosso lado, é necessário sentir, todos os dias e o tempo todo, como se tivesse um gatilho armado em direção a você, te obrigando sentir uma vida inteira por todo o segundo seguinte. Não adianta sentir fraco, com medo, acuado. De nada serve sentir só para dentro, a gente precisa emanar sentimento. Então, veja bem, sinta, mas não seja egoísta, no que puder, sinta junto.
Era um clima ameno e você me perdeu. Mas nessa de me perder, quem me achou fui eu.

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Uma mãozinha

Estava em uma mesa jantando com meus amigos, até que dessas conversas paralelas que surgem em uma mesa eu ouvi um deles dizer “Não, ele não gosta de você, quem gosta não faz isso.” Fiz um silêncio velado, não é fácil ouvir isso. Mas pelo visto, era um mal necessário. Então, antes que alguém precise passar pelo constrangimento de te falar isso, me deixe adiantar: quem gosta, não faz isso.
Quem gosta não te faz a última das prioridades, não te deixa aflito, não gera angústia. Quem gosta não aguenta joguinhos tolos, quem gosta quer viver de verdade, quer um carro e cinco mil quilômetros pela frente, um parque de diversões e três reais no bolso, desde que do seu lado. Quem gosta não se importa quando o jantar vira cinema, quando a festa não rola porque você desanimou ou se seus amigos são infantis. Quem gosta vai, mas vai junto. Também vai separado, mas não desperta sua insegurança propositalmente.
Quando se gosta, o negócio não cabe dentro, é necessário colocar para fora de alguma forma, e então vai lá, o Benedito, cuidando, aparando, prestando atenção, olhando, checando, beijinho no rosto e puxão de nariz. Quem gosta não se apega a você apenas enquanto você esnoba, nem espana. Você pode rezar cinco terços para se livrar de tanto amor, mas não adianta, não há jogo que faça passar.
Quem gosta não te faz esperar a ligação, nem o amanhã, muito menos a hora certa para falar que ama, que sente saudades, que a falta é grande e a vida não é igual sem você. Quando a gente gosta, anseia por tudo que é destino junto. Quem gosta pensa dali um mês e na surpresa do ano que vem, não fica te enrolando para aquela saída com os amigos, quer te apresentar para o mundo. Quem gosta não vê na briga a chance de ir para o bar, só quer que a briga acabe logo e quebre qualquer rotina.
Tenha em mente, as pessoas que vivem na dúvida e nos escombros de suas próprias entranhas são aquelas que não fazem ideia de quem são e por isso, não gostam: de você, do outro, delas. Elas não aprenderam a gostar ainda. Outras não estão na vibe, não estão no momento. Tem aquelas cuja disponibilidade é tão alta que são incapazes de enxergar o que é de verdade. Então, deixa elas, deixe o mundo passar, e passe você também.
Não, ela não gosta de você. Ele não estava ocupado quando leu sua mensagem, só não queria responder. Não, ele não estava dormindo, estava com a namorada número cinco no restaurante número três. Ele não está com ela por conveniência, e não, no fundo ele não gosta de você apesar de estar com ela, porque se gostasse estaria com você. Ela diz que precisa de você, mas precisa mesmo é da massagem de ego que você se tornou na vida dela quando ela conta rindo para as amigas dos horrores que te faz sofrer. E você sabe disso tudo.
Só fazem com a gente o que nós deixamos que façam. Antes que a vida te mostre, assuma as verdades que tem para si já há tempos, pare de mentir para dentro. Ao invés disso, se coloque para fora e para frente, encare: quem gosta não faz isso. Então, não seja desses que fazem isso consigo. Dê um tapinha no seu ombro e ande, que a vida vem passando, antes só do que duas vezes só.

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Ame vezes três

(* Leia com a música 😉 )

Há alguns pedaços de ano aquela janela não era aberta. Nunca, nunquinha. Quando ela se abriu, você não estava mais ali, então eu me deitei e olhei para o teto. Não vou mentir que temi o sol forte, que iria me queimar com a dor do cotidiano e do que me aguardava lá fora. Mas eu já conseguia ver algo qualquer de diferente, algum sentido de estar ali deitada, olhando lá embaixo. E você não estava ali, mas eu sentia cada passo até a distância, de um modo sofrido, livre, bem sentido.
O vento estava forte, não sabia o quanto a janela aguentava, mas já não era fraca. Era forte. E eu estava deitada, sentindo o cobertor ruir com a força do vento em impacto com o ventilador. No momento, nada mais fazia sentido, então, eu sei. Sei que são nesses momentos em que qualquer coisa que se sente é bem vinda, e quando o ouvido não liga mais para a porta batendo ou os objetos ruindo contra a parede, em que a gente suplica para nossa cabeça, ame! Ame até cansar de amar, e quando sentir que o findável chega, ame vezes três.
Ame o vento que entra, ame a paz que ele ainda quando bravo te faz sentir. Ame quando pensa que o vento é brisa, ame quando está e quando não está, ame forte, grite para dentro o quanto ama cada metro quadrado de você. Ame, olhe lá para trás e enxergue a criança desprotegida, ame a ela também, mesmo descabelada, com os joelhos ralados, torta como for, ame.
Ame aquela época que deu tudo certo e também a que foi tudo errado. Não meça o erro, ame o que foi e o que é, ame todas as partes, grite para dentro, exija seu amor de volta, e então, ame vezes três.
Quero que ame forte o amor que não abandona, nunca, o amor que se vai e mesmo assim se prolonga a cada dia da vida. Eu sei que você continua amando, dentro de você. Ame o amor que te faz se jogar de um penhasco no colo de quem for, se destruir e renascer. Celebre o amor em que se dá as mãos e se joga em alto mar, solicite o amor mais nobre e o mais pobre, transforme o que é vazio em garrafa cheia, rache o vinho, ame com a mente, com a cabeça, com o coração, com os braços, olhos, com o corpo. Ame em todos os sentidos, ainda que rasteje até se esgotar, ame, e quando findar de amar, ame vezes três.
Se te pedir que compre a briga, se te pedir que olhe para fora, ou que se jogue do mais alto andar, pense até mil vezes, mas siga, não esqueça que a luz que entra nem sempre é a que queima. Então vá, que já tarda, brigue até que o último fósforo se acenda, ame com a brisa e com o fogo, pegue o primeiro ônibus a vista, fuja do incêndio, incendeie a si mesmo quando chegar, seja o sem destino que seu coração exige de você, até que chegue a algum ponto de sentido. Eu torço para que seu amor faça sentido, mas também torço para que seu orgulho seja pequeno a ponto de que você consiga assumir o tamanho de amor que tiver em você. E se ele te vencer, eu suplico, ame vezes três.
Ame ao som do melhor Ballet Russo que encontrar, ame de cima do telhado, tocando piano, brindando o champagne, no surrealismo bruto, ame as pinceladas sem sentido, ou o dadaísmo mais burro, mas ame. Ame cada instante que lhe for oferecido, e independentemente do que amar, ame com força. Ame vezes três.
Abrace a vida com a força de quem a vai perder no momento seguinte. Se perca por um bom motivo, se ache por algum melhor, o amor é assim, a gente se perde e se acha, a gente apaga e vive dez anos no automático, mas em algum momento uma janela se abre e te mostra que o mundo pode ser ensolarado como quiser e nublado como desejar, a luz não te atinge, ela ilumina. E quando souber disso, e quiser sentir isso todos os dias da sua vida, repita em voz alta: viva, largue para trás esse preconceitos nulos, viva como quiser, e ame. Ame a vida vezes três. Se multiplique até onde puder e não se coloque limites, viva com ânsia a ponto de sentir náuseas. Você precisa abrir a janela.
E quando morrer, ame a morte. E depois de se deitar, e depois do teto, e depois do cobertor, depois da morte, abra a janela, é o que eu te peço. Deixe o amor entrar, e me levar. Me leve vezes três.

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Amazing

Estava dirigindo para o trabalho, ouvindo ” Ainda é cedo”, do Legião. Aos meus amigos, eu sempre falo que a discografia do Legião é a trilha sonora da minha vida, e é por isso que, quando eu acordo inspirada, é a primeira música do dia e a última da noite. Aumentei o volume e cantava “ah eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo!” com toda força das minhas cordas vocais. Ao mesmo tempo, lembrava de uma época distante, quando essa música era das mais tocadas no meu discman. Naquela época eu me achava amazing, pensei, rindo de mim. Então pensei de novo. Eu não me achava assim, eu era assim. Amazing é o que eu acho hoje do que eu era naquela época. A gente envelhece um pouquinho a alma, e começa a achar descabido tanta coisa. Hoje já não se anda naquela velha rua de sempre, aquela mesma pela qual você e seus amigos voltavam juntos rindo da balada. Você morre de medo de ser assaltado nela. Hoje já não se anda a cento e setenta quilômetros por hora na estrada, porque você já perdeu alguns amigos em acidente de trânsito. Já não se bebe daquele jeito, não se arrisca como arriscava. Você chega a não saber como saiu vivo da vez que resolveu pular aquele muro porque esqueceu a chave, ou quando decidiu emagrecer dez quilos em uma semana. Não sabe como sobreviveu a várias outras coisas, também. A gente envelhece e já não sabe de muitas coisas das quais antes tinha certeza. Você passa a ceder muito mais, e às vezes deixa que as pessoas passem por cima de você para não arrumar encrenca. Você evita o conflito ao máximo, coloca tudo para dentro na esperança de que seu coração seja um liquidificador com processador da Brastemp, e que, portanto, ele consiga moer tudo aquilo e enfiar em algum canto. Você não aceita mais perder o controle de nada, acredita que seu sono excessivo ou a depressão pela qual está passando não são nada, é frescura do seu cérebro. Não bota fé no paquera novo, nem no escritório novo, nem no boteco novo da esquina. Bom, aí todo santo dia você pensa que nada funciona e sua vida está mofando com aquele pão de forma que esqueceu de jogar no lixo. Você ajuda todo mundo, menos a si mesmo. De repente, você não sabe quem são seus amigos, e descobre que não são exatamente quem pensava que eram. E a pior parte é quando se toca que aquilo tudo que você pensou que seria aos vinte e poucos, trinta e pouco, quarenta e pouco, não tá rolando. Seus sonhos? Você está tão cansado que não tem tempo de pensar neles, muito menos de tirá-los do papel. Então, se fecha em suas idiossincrasias e tenta aceitar os pedaços de vida que te deixam aceitavelmente bem. E tudo isso porque você não é mais tão amazing assim. Então deixa eu te contar uma coisa: você não deixou de ser, só esqueceu de ser. Porque raios você anda pensando que é qualquer coisa aquém de incrível? Você é sim. É incrível por acordar todos os dias e enfrentar um pesadelo que você esqueceu que enfrenta para chegar a qualquer vislumbre de sonho, por ainda assim fazer as coisas em coerência com o que é. Não aceite esse medo gritando por dentro, saia de casa mesmo com medo de ser assaltado, faça uma caminhada matinal mesmo com medo por ainda estar escuro, vá para Espanha mesmo que não saiba o Espanhol, continue fazendo loucuras que te inspiram dia após dia. Pare de reprimir sua criatividade, faça o que você quiser fazer. Obviamente, pese e arque com as consequências. Sabe, eu conheço esse medo estúpido que nós temos de perder as coisas: o emprego, a profissão, o namorado, marido, amigo, a vida. Mas também sei que escolhas são escolhas, sempre se ganha, sempre se perde. Qual dos dois lados é maior para você? Não gaste uma vida com medo de morrer, porque no fim, a gente morre para valer. Então não se mate no caminho com a certeza de que você é algo que não incrível. Largue o emprego que você odeia, dê uma bronca nos amigos folgados, beba uma garrafa de vinho para comemorar e corra da Consolação à Faria Lima em seguida, pode ser? Sua vida está bem, estamos todos no mesmo barco, já passou. Os tempos ruins já se foram. Se abraça, se guie, se leve, cara, você é amazing, então faça algo sobre isso. E eu dizia, ainda é cedo.

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Dor de dente

Ouvia uma conversa preocupada ao meu lado. A senhora dizia angustiada ” E agora? Como vou dizer ao meu dentista que meu médico me proibiu de operar o dente até a cirurgia do coração? “. Ela reforçava que precisava muito operar o dente e, ao mesmo tempo, notei sua falta de ar e o inchaço nas pernas. Visivelmente ela não ia bem do coração. Tive vontade de me meter no papo e esclarecer que, minha senhora, o dente agora era a menor das preocupações.
E então me forcei a pensar com o que estive me preocupando durante o dia: com a compra do mercado, onde iria achar uma salada decente para o almoço, em que hora do dia conseguiria ler alguma coisa e estudar, se chegaria a tempo ao horário da terapia, se conseguiria lavar e secar o cabelo para o jantar, e algumas outras coisas. Mas logo fui atingida por um desconforto chato ao lembrar que sim, eu tinha uma preocupação maior por esses tempos, e se tratava de uma muito maior do que todas as outras. Só de pensar nela, eu queria fugir do assunto, desconversar, pegar o primeiro jato para Marte e voltar when setember ends.  E aí você pensa “Meu Deus, para quê tanta preocupação”, eu respondo que é porque não sei o que quero da vida, e então temos a partir daí duas vertentes, meu caro. Você pode me dizer, então, que eu tenho reais causas para me preocupar, ou pode rir da minha cara.
Hoje, eu iria rir da minha cara. Qual é? Eu tenho mesmo que saber o que vai ser da minha vida? Me desobriguei a pensar novamente no assunto, me cansava. Me voltei para o pastel da feira que eu iria comprar, para as fotos que precisava tirar, para o livro que ainda não terminei de ler mas já comecei outro. Me foquei em decidir se compraria guaraná ou coca cola para reunião de sexta feira, se limpava a casa na terça ou na quinta, se dirigia pelo caminho de baixo ou pelo de cima, se faria musculação ou caminhada.
A questão é que perdemos tempo demais da vida tentando adivinhar e prever qual é o caminho certo. Para o quê? Não sabemos, mas desde que esse exato caminho não nos faça quebrar nem um osso do nariz, muito menos a cara. Queremos estar cem por cento certos de tudo antes de agir, de que teremos emprego, comida, futuro próspero, um casamento bem sucedido e completo e filhos fluentes em pelo menos três línguas, de preferência vencedores da Olimpíada de matemática de Mônaco.
Gente, chega. Para com isso, largue mão dessa vida. Pessoas que sabem onde vão estar amanhã já são chatas, imagine quem sabe o que vai ser daqui a um mês, um ano, uma vida. E pior, imagine quando as coisas não acontecem exatamente na ordem em que elas pensam que vão acontecer. Coisas surpreendentes acontecem com quem não está esperando nada. Olhe para dentro, saiba quem você é. Faça o que você gosta, um pouquinho por dia, sem planos, sem grandes anseios. Viva um dia de cada vez dando o máximo de você a cada vez que respira, não hesite em se dedicar. Quebrando a inércia, as coisas andam.
Então, pare. Não pense no que pode acontecer, no que quer que aconteça, viva. Se você não sabe o que quer fazer da vida, então definitivamente é algo que não precisa saber agora. Sabe porquê? Quando a gente precisa realmente saber de alguma coisa, a vida ensina. Então, viva, até ela te mostrar e você aprender. Preste atenção, é o tipo de ensinamento que não se deixa passar em branco. No filme “Para sempre Alice”, a protagonista descreve um momento da infância em que ficou arrasada por saber que borboletas morrem cedo. Então ela foi confortada pela mãe: elas morrem cedo, mas têm uma vida maravilhosa. Pois é, hora de parar de pensar em quando vai chegar a vida maravilhosa dentro dos padrões de beleza que você estipulou para sua vida entre quatro paredes. Deixe suas paredes caírem por terra, e você vai ver um mundo enorme onde a vida vai ser maravilhosa por si só, sem forçar a barra.
Respirei fundo e assenti. Afinal, o dente era uma bela de uma preocupação.

  • Foto por Malu Lima em Madri, Espanha

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Gente gostosa

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O sinal fechou, atravessei a rua, estava com pressa. Sabe o momento em que você definitivamente não pode parar porque é o máximo de atraso ao que você pode chegar? Então, pois é. Mas no meio da muvuca vi um rosto conhecido, eu vi, ele me viu, parei para cumprimentar, quase soltando um praguejo mental por estar fazendo aquilo. Mas a educação sempre fala mais alto, quando a gente lembra dos pais falando “cumprimenta, meu filho, pergunte se está tudo bem, seja educado”, tantas vezes discurso acompanhado de puxão de orelha ou outras coisas, estive habituada. O fato é que esse ritual se torna inevitável para quem cresceu com ele, e o rosto conhecido me fez fibrilar quando percebi que olhou para baixo e seguiu seu caminho. Assim na cara dura, na iminência do meu oi.
Sério, eu não acreditei na cara da pau do ser vivo. E o pior, isso acontece, eu sei que acontece. Vive acontecendo com todo mundo, e então parei para pensar em qual a dificuldade de esboçar um traço de memória tido como “conheço essa pessoa, então vou falar oi” ou então, “Não sou um ser divino, um ser superior e mesmo que fosse, falaria oi”. Mas aí eu pulei disso para vasculhar todas as frases que satisfizessem minha raiva momentânea, “que metido”, “qual o problema dessa pessoa?”, “filho da mãe”, “um sem consideração”, ” é sociopata”, “coitado, não tem traquejo social”, “não deve ter visto” etc. Nada que me contemplasse totalmente, até que chegou um “que mal criado!”, e então uma luz se abriu na minha cabeça. Eu soube, era exatamente isso que ele era, um mal criado.
Gente bem criada é aquela pessoa que às vezes dá bronca no próprio coração, por ser tido como mole, ingênuo, bonzinho demais. Os bens criados são seres incapazes de passar reto por uma pessoa que conhecem, eles param, cumprimentam e muitas vezes estão realmente interessados na resposta do “tudo bem?”. Não raramente, são pegos de surpresa por um desabafo alheio pelo qual não esperavam, eles prestam atenção no que você fala e, por não terem o ego inflado e conversas vazias sobre realidades minúsculas o tempo todo, eles também sabem sempre como dar continuidade no assunto.
Os bem criados são pessoas almejadas, todos querem estar ao lado deles. Eles nunca se colocam em primeiro lugar, costumam pensar antes no grupo, mesmo que isso os dane, muitas vezes. Também cedem bastante, alguém ensinou que é feio falar não, e quando precisam falar, tem sempre um jeitinho eufêmico de amenizar tudo. O bem criado sabe elogiar e criticar, ele não cria caso, não passa perna nas pessoas, costuma ficar na dele. Ele pode estar em um dia ruim, mas vai sorrir para você e dizer que está tudo bem, e não pisar no seu pé no elevador e não pedir desculpas. As pessoas podem chutar a cabeça dele e organizar um samba lá em cima logo em seguida, ele vai tentar ser polido ainda assim.
O bem criado nunca vai tentar se achar para cima de ninguém, até porque ele sabidamente não é superior, é só mais um, como todos nós: a diferença é que ele tem ciência disso. Justamente por isso, ele faz questão de decorar o nome de todo mundo que lhe passa pela vida, e não estranhe em cruzar com ele daqui uns anos e não ter ideia de quem é enquanto ele cordialmente te abre um sorriso e repete seu nome trinta e cinco vezes.
Também passam da conta, eles não são santos: criticam, falam mal, fazem comentários maldosos, mas entre amigos. Em geral, evitam a picuinha. No fim, todo mundo quer ter um amigo bem criado. Eles se reconhecem. Um bem criado na vida sempre faz falta para aquele momento em que você sente que precisa de paciência e compreensão. Gente bem criada é gente gostosa, que entra na mesma vibe que você rapidinho, que cria aquela intimidade gostosa e instantânea, e no momento em que se conhecem você pensa: quero ser amigo desse camarada. São pessoas que acolhem, que dá vontade de dar um abraço e que te fazem agradecer a vida por existirem pessoas em volta que ainda agem como seres humanos e não se colocam no centro do universo por tempo integral.
Gente bem criada é gente gostosa porque não cria  problema. Você liga e eles topam o happy hour, o shopping, o café, a balada. Eles te ouvem, eles falam, a conversa acaba em risada. Eles sentem as mesmas ressalvas que você e te fazem sentir que estão no mesmo barco, não importa qual barco seja. Esteja do lado desse pessoal, sua vida vai ser mais gostosa assim, você definitivamente vai se sentir melhor e com seu tempo bem aproveitado. A você eu peço, ouça o conselho do palhaço carequinha, um bom menino não faz malcriação! Seja a pessoa gostosa que você quer ter na sua vida.
E no fim, cheguei atrasada ao compromisso. Ligeiramente mais atrasada devido ao mal criado, que no fim, só me fez me sentir muito bem criada, obrigada.

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Um pouquinho de piedade

Uma amiga minha anunciou: ” Preciso de uma bolsa igual a da fulana”. Perguntei o porquê, ao que ela me veio com alguns moles de argumentos, nos quais constavam aparência e “que ela consegue guardar tudo o que precisa lá dentro”. Seguiu-se uma descrição detalhada de todo o conteúdo útil da bolsa da fulana. Estive pensando no grande problema da minha amiga sobre não ter uma bolsa ideal, e percebi que o buraco era mais embaixo: no momento em que ela tivesse a bolsa como a da fulana, aquilo tudo perderia a graça. No mínimo, rolaria uma grande decepção, e não tanto pelas grandes expectativas que ela depositou na bolsa. O fato é, estamos incansavelmente tentando nos encaixar em qualquer realidade a exceção da nossa.
Tive a maior vontade de ligar para ela e dizer: meu amor, fica calma, tá tudo ok. Não, você não precisa dessa bolsa. Você precisa de uma bolsa que seja a sua cara, em um tamanho legal para tudo que você precisa carregar, tipo aquela pomada para suas sardas, seu protetor solar fator 70, sua apostila da faculdade, uma caneta roxa e aquele batom vermelho. E não, não precisa comprar um batom rosa porque tem na bolsa da fulana, vermelho fica ótimo em você.
Vivemos na realidade em que somos impassíveis com nós mesmos, sem um pingo de auto piedade: constantemente nos comparando à realidade alheia, julgando os outros sempre a nossa frente, invejando conquistas nas quais não precisamos chegar, mas queremos chegar por puro ego. Eu te pergunto, isso te é necessário?
Vem cá, essa batalha constante com você mesmo, essas tantas batidas de cabeça na parede, são por você mesmo? Ou são pela foto que você vai postar para depois calcular o número de curtidas? Você quer se superar ou está mais preocupado em superar o colega do lado? É isso mesmo que você quer, ou simplesmente está tentando se encaixar em uma realidade alheia, na qual você não cabe?
Tenha em mente, as únicas escolhas que cabem em você são as suas, e elas precisam acontecer de acordo com a sua necessidade. As coisas dos outros não são melhores, elas só parecem melhores aos olhos de quem admira alguém que leva a vida leve, prática, de modo resolutivo e, principalmente, de acordo com seu cotidiano. Esses são os outros porque eles sabem que não precisam de nada além do que são, o que chega a partir daí só complementa.
Não adianta querer usar salto se você vai percorrer metade da cidade de metrô e fazer cinco baldeações. O salto fica legal na Patrícia, mas você vai ficar mais elegante de sapatilha e sem cara de dor. Nem ir todos os dias para academia sofrendo e adiando aquele momento, se o mais bacana para você sempre foi pilates. Não adianta comer chia se no minuto seguinte vai ter vontade de vomitar, nem goji berries se no fundo você pensa que aquilo tem gosto de antibiótico. Definitivamente não corra 15 km se nunca o fez.
Não paga de roqueira para fazer charme, nem compre uma botina porque seus amigos curtem um rodeio. Não gaste seu salário em três bolsas do mesmo modelo só porque a blogueira da moda as tem. Não troque de saia porque ele achou que a saia está curta, nem faça a barba se não quiser, você sabe que é isso que disfarça esse tamanho de queixo.
Vamos, dê uma trégua para você. Se entenda, seja bonzinho, um pouco de auto-piedade, por favor. Em um mundo onde de todos é cobrado fortaleza, admita um pedaço de fraqueza ainda que só para você. Piedade não devia ser uma palavra tão carregada. Piedade não é sentir dó, é ter compaixão e amor próprio. Levante essa voz, se permita um pouco de sinceridade, você precisa decidir entre dois pólos: ou aceita sua realidade e se encaixa a ela ou a transforme para algo do que se orgulhe.
Pegue sua mão e toque seu ombro, verbaliza aí, vai com calma, camarada. Tá tudo bem, as coisas vão dar certo. O que passou, já foi, agora vai!

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O coração fica

Vou propor uma experiência: entrelace suas mãos. Agora aperte firme, e as deixe assim, por um momento, abraçadas. Fique assim por alguns minutos e, enquanto isso, vamos conversar. Eu sei que você nunca mais vai ver o Manoel, que a Pri está na China sem data para voltar. Eu sei que você acredita piamente que aquela pessoa foi o amor da sua vida, e esse mesmo amor se esvaiu. Também sei que você se culpa por isso, pelo que pode ter sido e não foi; você culpa seu orgulho, e também o fato de não ter escancarado seu peito e falado tudo que gostaria de ter dito.
Eu sei que o mundo grita aos sete ventos para você falar o que sente, que isso alivia a alma, e mesmo assim você não consegue ver o fim da boiada dessa linha de raciocínio. E então você se sente um perdedor solitário e orgulhoso, e fica aí pensando no que deveria ter sido, depois de se sentir abandonado pelo mundo. Eu sei que você sente que a vida esqueceu de você em prol de protagonistas os quais você nem conhece, e também já sei que você grita com ela às vezes, se perguntando porquê. Porque, Deus?
Porque você acreditou de novo, se deixou levar, quebrou a cara? Porque confiar, se abrir, ajudar, dar o melhor de si? Vamos, lembre das mãos, aperte mais um pouco.
As pessoas vão embora, elas precisam ir embora, todo mundo precisa. Você vai se abrir sem ser correspondido, você vai acreditar que achou alguém que não vai te abandonar e ainda assim ser abandonado. Às vezes as pessoas escolhem ir, outras vezes a vida leva. Há ainda os momentos em que a vida opta por nos levar das pessoas, e nada explica isso. Nós temos planos maiores, e tudo tem sua história natural.
Então, o que te resta é entender que o amor acaba, amizades terminam, pessoas vão, voltam, ficam e se vão de novo. Você vai se sentir abandonado a ponto de se enterrar na cama e ouvir a playlist mais fossa do mundo, e vão haver dias piores. E então, aperte mais um pouco as mãos.
Você vai ser ignorado, vai se sentir pisado. Em alguns momentos as coisas vão dar errado, e depois certo, e depois errado. Você vai botar mais fé nas coisas do que deveria. Vai engordar e vai emagrecer. Vai ter momentos de bem com seu cabelo e em certas horas vai querer raspá-lo. Você vai para Paris e esquecer de fazer alguma coisa que queria ter feito.
Um dia vai achar lindo as formigas juntinhas andando a Deus dará, e no dia seguinte vai odiar uma formiga pelo vergão na perna. Você vai amar a vida e também vai praguejá-la. Vai cantar sua música favorita até arranjar uma nova, porque a antiga não cabe mais, nem faz mais sentido.
Você vai dormir e vai acordar. Já sente suas mãos formigando? Já parou de senti-las? Então solte. Sinta como elas estão travadas, como elas travaram enquanto estavam juntas. Agora sinta como a circulação se recupera quando se soltam. Comece a sentir novamente, chega a doer essa recuperação, não? Mas ela volta, tá? Assim como a gente, ela volta a sentir, a mexer, a te ajudar a viver. Você não vai perder a mão, nem o braço, nem mais nada, assim que se lembrar: as coisas precisam se desprender para chegar a certos pontos.
Assim como quando você largou as mãos, as pessoas precisam viver outras coisas, elas se vão, se desprendem. Dói, dói um bocado, mas quando alguém te pedir liberdade, não hesite, deixe ir. Experimente a dor até parar de senti-la, a dor é necessária, bem como o amor. Grandes amores só são inesquecíveis quando não totalmente vividos e esgotados. Pois bem, deixe ir e vá também, você precisa se encontrar. Sua mão vai ficar bem, e você também.
Seu coração um dia vai parar de bater mas, por agora, ainda bate. Então faça jus a cada batimento, enquanto não falta nenhuma parte de você aí dentro.

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