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Ferva

No frio que está começando a fazer, eu invariavelmente tenho vontade de comer compulsivamente, tendo afeição pelos quentes. Quanto mais quentinha a comida, mais eu sonho com ela até concretizar o feito. Pois numa dessas, eu com a tarde livre e precisando estudar resolvi testar um chocolate quente suíço que achei no mercado e matar a saudade do frio dos Alpes. Disse bem, precisava estudar, mas não conseguia. Estava numa fase rebaixada, lia, lia, lia, não prestava atenção em nada. Respirei fundo e pensei, vá lá, vou colocar o leite para ferver e esfriar a cabeça, ironicamente, com uma bebida extremamente quente. Enquanto esperava a fervura lembrava da Vó Ângela. Vó Ângela não é minha avó de verdade, mas é como se fosse. Desde criança, quando fazia polenta para mim, ela repete a mesma frase, todo santo inverno. Isso porque, diante da polenta quente, mesmo com fome, ficava afoita e me recusava a comer com medo de queimar a língua. Então ela falava, comece devagarzinho, pelas bordas, elas esfriam mais rápido. Ri sozinha e continuava fitando o leite ansiosamente, desejando que ele fervesse rápido, afinal, precisava estudar. Foi quando eu notei as primeiras bolhas se levantando. Atentei. E explico de novo: sempre esqueço o leite fervendo e o danado transborda, acaba com a faxina e com minha disposição de cozinhar. Repetia, fique esperta. Curiosamente, as bolhas começaram pela borda do canecão, e foram ganhando corpo em direção ao centro lentamente. Em um ímpeto confluiram e de um segundo a outro veio a erupção. Assim, diante dos meus olhos aquele vulcão levantou, prontinho para transbordar. Corri em abaixar o fogo, até elas acalmarem. Mas então se foi, que na ansiedade de estudar pensei comigo: começa pelas bordas. Para variar, continuei pensativa. Por mais que repitam o clichê de que ninguém começa de cima, é difícil de observar na prática. É muito fácil olhar para alguém formado e com êxito e criticar, ver a superficialidade sem avaliar qual foi o processo de fervura. O quanto demorou para as primeiras bolhas se formarem, e qual foi o caminho das bordas até o centro. Não funciona da maneira que a gente, inconscientemente, acha que funciona. O leite não ferve assim que colocamos ele no fogo. Nós não damos certo no dia seguinte ao qual começamos a tentar. Então comece pelas bordas, lentamente. Não desiste, porque não é rápido. Bons frutos não eclodem, eles crescem. E leva tempo. Não desista daquele livro, leia uma página por dia, não largue a academia, vá com um peso por vez, não pare de correr, oscile com a caminhada, observe suas conquistas durante o caminho e se permita, porque na batalha você também merece momentos doces. No final, de tanto que vale a pena, a gente chega a sentir saudades. E é sempre assim, não é? Então começa. Na borda está frio, não queima a língua, saía dessa vibe, dessa neura e desse trauma. Abrace a sua causa, não se apegue à dos outros, cada qual tem seu jeito. Foque o centro, a felicidade não vem de graça ou do acaso. Ela vai para frente. E para onde é a frente? Para sua eclosão. Ferva, para onde estiver o que te faz feliz.

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Cachos de vida

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Amo compartilhar receitas light com minha amiga e dupla de trabalho. Dia desses ela me apareceu com a buemba da semana: compre uvas sem sementes. Era o mais novo vício da vez. Eu, que nunca fui lá muito chegada na uva, me vi comendo cachos e cachos incansávelmente, com um livro para estudar do lado, a TV ligada e a mente longe. Desde que aprendi que as coisas não precisam ser difíceis, opto por opções mais fáceis. Não caminhos mais fáceis e sim uma mentalidade fácil de lidar. Está difícil? Ok, vai passar. Hoje o dia foi triste? Amanhã vai melhorar. A vida está sofrida? Não vai ser assim para sempre. A coisa apertou? Acalma, seu objetivo está logo adiante. Não complica. Não pense difícil. Facilita. Quer falar? Só fala. Quer pensar? Pense. Vão falar? E daí? Alguém deles vai morrer com você?

A gente tem mania de deixar a felicidade difícil. Até ser feliz é difícil. E deveras, ela fica difícil quando a gente pensa que não vai durar para sempre. Mas a gente é feliz quando gosta até dos problemas. Quando aprende que o drama de todos os dias faz parte. Que o choro vai estar tão presente quanto o sorriso, e muitas vezes eles vêem juntos. Então, me escuta. Não tenha medo de sentir ou de perder. Vai acabar, eu sei que vai. Mas depois vai começar tudo de novo, e de novo. Só respira fundo. Que eu vou comer meus cachos de uvas sem sementes, super fáceis de serem devorados, sem reclamar do vício. E sem chorar se acabar, porque quando eu quiser mais vou atravessar a rua e comprar no mercado. Quando você quiser mais de vida ela sempre vai estar ali em frente também, te esperando do outro lado da calçada, com quantos cachos de uva você quiser. Então vá de encontro a ela com os olhos apertados de saudades e um abraço bem grande. Segura e não deixa ela escapar, porque essa vida, meu caro, é só sua.

* Foto: Por Malu Lima, em São josé do Rio Preto

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Dia D

Dia de gritar, de rabo de cavalo, de pular na cama. Dia de festa, de brigadeiro, de bolo, de salgadinho. Dia de champagne, de vinho, de chuva de refrigerante. Filme, sofá, cobertor. Dia de companhia, maria chiquinha, almofada, travesseiro e lareira. Se estirar no tapete, dormir a tarde, sentar igual índio. Dia de cozinhar, de não lavar a louça, dançar, ligar o rádio bem alto. Pular, ficar na varanda, ver o sol e ver a lua. Respirar fundo, com calma e pausadamente. Viver o sereno, ouvir o grilo e conversar até as seis da manhã. Decidir e trabalhar. Dia de mãos dadas, de abraços, de beijos. De mar, de conchas, de areia, brisa, vento, chuva. Dia de solidão. Chorar e sorrir ou sorrir para depois chorar. Dia para viver. Dia de viver. De ser feliz.

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