E aquele Sábado que eu nunca vou esquecer…

Ela já dizia que era só esperar para ver o Sábado. E qual sábado não teve sol? Qual sábado haveria de não ter ainda que um raínho, miudinho, que seja, de sol? Daquela luz amarela que povoa a alma? Ainda teimava em ensinar, na frente daquele portão em que viveu por meia e toda a vida, por meio e, em partes, por inteiro, que o sol e o sábado alegravam a alma. E como uma alma poderia deixar dois fatores tão interdependentes? Pois o sol, determinava ela, precisava do sábado para viver, e o Sábado só era Sábado pelo sol. Então, desde criança começo a reparar que não há Sábado sem sol. E aí, a vida passa, em trilhos de montanha russa. E aí, ela leva consigo tudo, tudo, tudo mesmo. E por fim, ela deixa as memórias em um fundo hipocampal suficiente para um sofrimento nosso, e alheio, e feliz. Cheio de posse. Ou não. Coloca diante dos nossos olhos aquela grande mão que agarra, que puxa para baixo contra um empuxo atípico, que é para cima. A mão que envolve uma capa preta, cintilante no mistério do que vem em seguida. E então ela jura para Deus baixinho, faz promessas e implora por mais, por um festival de células, abundantes. E mais uma vez, por ter demais, o homem peca com o orgânico do sangue, com os extremos da vida. Com um dos extremos da vida, ele paga o pecado, e paga o que plantou. Não quero festival não, meu Deus. Não quero tantas células assim, ainda que o resto venha por terra e seja enterrado. Eu não pedi tantas células. Eu não pedi dinheiro. Eu não pedi amor. Mas eu também não pedi vida. Não pedi aos sussurros para viver. Não agradeci por viver. Não me dei conta de quem era ela, que me ensinava do Sábado. Que me ensinava a ter paixão por tudo que não colocavam fé. Me ensinava a seguir minha intuição e o que eu queria. Me apoiava com os mesmos sonhos volúveis e tão lindos que eu acreditava. E aí me fizeram deixar para lá, deixar o valor, deixar de ligar, deixar de ir, deixar de seguir, deixar de embelezar. E me fizeram acreditar que era infantil, que não valia a pena, que não daria em nada. Pois assim não acreditei, não dei valor, não segui minha hipocrisia louca e seca. Morri de sede em um poço que parecia tão fundo, o qual era por demais superficial. Essa é a hora de enfiar a cabeça na água e morrer afogada? E me diz agora, essa é a hora de sufocar a alma com a culpa que a água mais fervente não pode fazer acabar? Com a dor que a mais potente erva nem ao menos consegue aliviar? Com a consciência de que uma vida passou, e eu nem me dispus a parar para vê-la passar? E quem foi que me convenceu de que essa vida era ignorante a tempo e consistente em termos, de não valer a pena? Embora quando passe, e quando se vai…Quando desfila para o precipício cego que vai aos céus. Te falo conselhos, te canto amigos, te digo, dê valor a quem está vivo. Aquém da vida não se demonstrou o valor, e quem disse que a partir de então qualquer oração vá mesmo valer tão a pena? E quem disse que além de Deus alguém lhe deve perdão incondicional? Pois bem, o perdão, as suas desculpas, valem para si? Eis que só valorizam tamanha inteligência, ingenuidade e doçura. Grande gratidão, simplicidade, alegria. Tal energia boa e contagiante. Eis que só sente falta e valoriza. Que só, e só e é pouco. Quando se vai, de uma vez por todas. Quando se vai e leva uma beleza de perucas, e se vai linda, mesmo diante da moléstia mais deplorável. E sem pedir esmolas ou migalhas. Sem adquirir piedade dos humanos desvalorizados. A conclusão a que chego é que o valor vem com a morte. Valor pós-mortem. Assim não, obrigada, não, tudo bem, agradecida, fique tranquila, estou em paz, não, estou bem. Nego. Formalmente ou não. Pois pouco me importa esse valor vazio, já que da morte levarei o momento e todo valor da vida. E de todos que um dia, por um breve momento, forem ou foram meus, de dia, de noite, de viver. De compartilhar. De ligar. A espontaneidade vai com tempo, e, minha querida, a sua não foi. Essa é sua maior conquista. E minha maior percepção de você. De resto, inevitavelmente, em algum momento, ela se explicita diante dos nossos olhos e faz algumas fichas caírem de vez. E fica apenas mais uma inspiração de como se viver com a maior intensidade possível, de que vale a pena viver com gosto e fazer as pazes com o próprio destino. Vai com Deus.

*Dedicado à Vera De Falco, com meus sentimentos, fé e orações sinceras. Esse último Sábado não teve sol. Tenho certeza que no próximo, teremos muito mais no céu para iluminar a todos nós, de todos os Sábados, para sempre. Obrigada por tudo. Principalmente por ter sido você, tão brilhantemente, nessa minha vida.

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